quarta-feira, 5 de maio de 2010

O GOLEM, FABRICANDO UM HOMEM




As lendas sobre a iniciativa do homem fabricar um ser, seu semelhante, existem em praticamente todas as culturas. São narrativas que transitam ao longo dos tempos contando que algum titã, um mago, xamã ou herói ousado, desafiando os céus e as forças divinas, deu vida a uma criatura qualquer. Fantasias que herdamos da Grécia desde dos tempos em que surgiu o mito de Prometeu e que nos chegam até hoje, envoltas com outros nomes e novas fórmulas, mas que na verdade tratam da mesma coisa: o extraordinário desafio do homem criar a si mesmo.


"Certa vez, faz tempo, eu, através dos meus poderes, transformei o ar em água, e a água novamente em sangue, e, solidificando-a em carne, formei uma nova criatura humana - um menino - e produzi um resultado muito mais nobre do que o Deus Criador. Ele o criou da terra, mas eu o fiz do ar - uma tarefa bem mais difícil: depois eu o desfiz e o dissolvi novamente no ar."
Simão Mago, Apophisis Megale, século I


Coube ao rabino Judah Loew ben Bezalel, uma sumidade do judaísmo de Praga (cidade onde morreu em 1609) - orientando-se pelas instruções existentes no Livro da Criação de Eleazar de Worms (1160-1230) -, repetir de modo incansável todas as combinações possíveis ali encontradas a fim de gerar uma vida. Ele estava atrás, nada mais nada menos, de acertar a fórmula que lhe permitiria criar Adão Cadmon, o primeiro homem.

Segundo a tradição dos místicos e dos cabalistas judeus medievais, corrente que Judah Loew seguia, Deus deveria ter feito o primeiro ser humano não de uma vez só, num gesto impensado, mas sim seguindo vários ritos possíveis de serem repetidos pelos estudiosos. Quem imitasse o Todo-Poderoso, reproduzindo-lhe o ato da criação, precisava antes de tudo ter muita paciência. Ao consultar-se os escritos sagrados, as disposições alfabéticas indicavam que era preciso, partindo das letras IHVH, fazê-las combinar 231 vezes para dar vida a uma criatura, ou o dobro, isto é 462, se desejasse fazer com que ela, depois de posta em pé, voltasse ao pó original.


A criatura do gueto
Finalmente, depois de um bom tempo, deu-se o milagre. Exatamente como os cabalistas imaginavam que ter-se-ia dado o nascimento original, de um monte de pó que haviam empilhado no gabinete do rabino, ao embalo da voz monocórdica dele, uma figura humana começou a tomar forma. Era um Golem (algo amorfo, sem formas ainda), que não disfarçava sua aparência de ter vindo do barro. Todo ele era encorpado e de cor de terra. Dizem que o rabino, para dar um sopro de vida àquela argamassa de aspecto humano, escreveu então sobre a testa da criatura a palavra Emet (verdade). A função que deram à criatura era muito simples: proteger os judeus do gueto.

Ocorreu que não demorou muito para o Golem pôr-se a crescer. Cada dia ele ficava maior, enorme, ao ponto da sua cabeça romper com o telhado da casa do rabino. Ao invés da presença dele desencorajar as atenções dos gentios para com o gueto, deu-se o contrário. As multidões, ainda que temerosas, se aproximaram perigosamente para ver aquele assombro. Ao rabino Judah Loew não restou outra alternativa do que destruir a quem dera a vida. Pediu ao Golem que se abaixasse e, num gesto de contra-magia, apagou uma das letras da sua testa. Foi o que bastou para o gigante desmanchar-se em poeira.

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